segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O Castelo dos Destinos Cruzados


Mais um da minha fase Italo Calvino! Mais um grande livro, apesar de suas dimensões diminutas!
Esse é mais um dos livros de contos de Calvino, que eu sinceramente gosto mais do que os romances, não que estes sejam ruins, mas eu acho que prefiro contos no geral. É uma história completa em poucas páginas, em que nós podemos imaginar o que veio depois, ou o que poderia acontecer. Os contos fazem de nós um pouco autores também. Apesar dessa independência dos contos, deve se ressaltar que nesse livro eles estão interligados (cruzados, como o próprio título indica), mesmo podendo ser lidos separadamente a magia surge da ligação entre eles.
O castelo dos destinos cruzados é dividido em duas partes (e segundo a nota no final do livro Calvino pensou em escrever uma terceira, mas, isso é uma interpretação minha, daria muito trabalho e ele queria se livrar logo disso, essa parte é um pouco dele). A primeira é a do Castelo, e que foi escrita depois do início da segunda, para um livro de artes a pedido de um editor, em que ele deveria usar como base as cartas de tarô milanês, do século XV, desenhadas por Bonifácio Bembo, e que ficou pronta muito rápido. Já a segunda é a da Taverna, que está baseada em cartas marselhesas populares, em que Calvino teve muita dificuldade em terminar para que, as histórias se encaixassem.
Cada conto do livro tem em suas margens reproduções das cartas nas quais Calvino se baseou e o leitor pode ir acompanhando. E quase no final de cada parte possui esses esquemas em que mostra que todas as histórias estão ligadas e que aquilo que foi contado da esquerda para a direita, pode ser contado por outro da direita para esquerda. Que assim como Borges acreditava que as situações se repetiam, as cartas se repetem, mas assumem diferentes valores.

 
O livro inicia-se com a descrição do castelo em que o narrador vai parar após atravessar um bosque e que ele não sabe definir se é um castelo ou uma estalagem. Mas o mais interessante é que lá existem muitos hóspedes sentados à mesa comendo, mas que nenhum deles é capaz de falar, não estão surdos pois escutam os ruídos, mas não se escutam uns aos outros. Em um dado momento é colocado sobre a mesa um baralho de tarô, e os convivas se empurram para pegar as cartas e poderem contar a sua história apenas com as cartas. O narrador mostra a multiplicidade de sentidos das imagens não simplesmente com todas as histórias, mas também com as diferentes interpretações durante a narrativa, a incerteza, que atinge o leitor.
Na primeira parte ele narra sete histórias completas, todas de reis e rainhas, amores e mortes. Para depois contar todas as outras histórias, momento em que o livro começa a ficar confuso.
O fato mais interessante desse início é que ele cita o Fausto de Goethe, como uma possível história sendo contada, pois há a venda da alma ao diabo (isso se repete na segunda parte) e principalmente uma recontagem da história de Orlando Furioso, poema épico de Ariosto; que se divide em dois capítulos, um narrado pelo próprio Orlando, que perde a razão quando descobre que a sua amada o preteriu a Medoro, um guerreiro mouro na história original, mas que para Calvino é um "rapazeto do séquito", essa narrativa termina com Orlando preferindo permanecer louco. Mas o próximo conviva a contar a história é Astolfo, o primo de Orlando que no original, montado em um hipogrifo voa até a lua (depósito de tudo que é perdido na terra; mas para Calvino o lugar do "e se", daquilo que não se realizou), e lá recupera a razão do paladino. Esse é um poema do Renascimento, em que seus personagens estão em uma estalagem junto com outros personagens de histórias famosas, como o leitor percebe continuando a leitura.
Na segunda parte descreve-se a taverna, e entrega-se um novo baralho de tarô (eu achei o desenho desse muito mais decifrável) e as pessoas presentes mais uma vez se precipitam sobre as cartas para  contar a sua histórias. Mas tudo fica muito mais confuso, pois duas ou mais histórias são contadas simultaneamente, pois as carta batem, mas nem sempre, criando lacunas na minha cabeça. E então eu comecei a reconhecer histórias, como a busca pelo santo Graal, ou a mais especificada de Sófocles, Édipo Rei.
Então o narrador conta a sua própria história, em que ele é mesmo um escritor. Segue por um tempo no tarô, tenta contar sua história, mas na verdade conta muitas outras, pois esse é o seu trabalho, e ele reconhece sempre novas em situações parecidas ou mesmo iguais. Até que passa para os quadros e os museus (momento em que Calvino subiu ainda mais no meu conceito!). É depois de uma longa discussão sobre o ato de narrar, que vem o sistema das histórias contadas na taverna.
Nesse ponto eu parei e fiquei com fortes tendencias a voltar e reler o livro. Três das grandes tragédias de Shakespeare estão ali: Rei Lear, Macbeth e Hamlet. Como assim eu não reconheci nenhuma??? Essas três histórias são contadas simultaneamente no último capítulo do livro. Brilhantemente! Talvez Calvino tenha deixado de lado o "to be or not to be that's the question", mas lembra-se da também memorável cena do "rato". Não pude deixar de rir da pretensão do autor em resumir em 5 páginas 3 das maiores tragédias de todos os tempos. Ou mesmo de unir esses personagens em uma taverna/castelo junto com Orlando, Parsifal, Édipo e outros muitos que poderiam pertencer a diferentes épocas e lugares.

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