quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
SÃO BERNARDO - Graciliano Ramos
Recentemente tive que ler para a faculdade o livro Angústia de Graciliano Ramos, o que me fez ler mais do que Vidas Secas, assumidamente lido apenas para o vestibular. Angústia entrou para o top três livros nacionais. É bem confuso, principalmente no início quando o leitor ainda não entrou no clima da narrativa. De qualquer forma é um livro narrado em primeira pessoa, em que o narrador ainda está se convalescendo de uma febre, e portanto o leitor não pode ter certeza daquilo que ele está escrevendo. Sinceramente, é demais, recomendo!
De qualquer forma, enquanto eu estava desesperada por um orientador para a minha monografia, conversei com um dos meus professores favoritos, todas as matérias que eu soube que ele ofereceu nos meus anos de faculdade eu fiz. Foi por causa dele que eu li Angústia, e por isso apareci uma terça a tarde na sala dele sem nenhuma ideia, apenas uma paixão. Ele ficou bem apreensivo, mas aparentemente, sem muita animação me aceitou, e me aconselhou a ler São Bernardo, pois junto com Angústia, fazia parte dos romances de 30 de Graciliano. Além desse romance me indicou muitos outros livros, que eu só encontrei um, mas nem cheguei a abrir, pois antes mesmo de terminar São Bernardo encontrei uma professora para me orientar com um tema mais definido! Não por isso deixei de ler o romance indicado.
São Bernardo começa com o narrador em primeira pessoa falando da intenção de escrever um livro em conjunto com outras quatro pessoas, e apesar de voltar diversas vezes na primeira página, não reconheci um dos citados. Essa inciativa não dá certo, ele acaba por escrever sozinho por diversas razões. Então começa a narrar a sua vida. De trabalhador braçal em uma fazenda, a ser preso por matar um homem em briga por mulher; aprender a ler e escrever na prisão, a conseguir enriquecer e comprar a fazenda S, Bernardo.
A narrativa tem um movimento social em que o narrador começa no fundo, sobe socialmente, é um chefe na sua sociedade, com uma fazenda produtiva, contatos com partido político, jornais e outros fazendeiros, para depois descer novamente, com a morte de sua mulher a revolução sua fazenda torna-se obsoleta e os vizinhos avançam com a cerca roubando-lhe terreno. Outro movimento perceptível é da estrutura da narrativa, em que começa falando sobre o livro que ele vai escrever, então há a narrativa, para acabar com ele narrar o momento em que ele está escrevendo e a vela apaga.
Paulo Honório é o narrador, um homem rude, que consegue fazer a sua fazenda lucrar, sem levar em conta a situação social de seus funcionários. Constrói uma capela e uma escola na fazenda apenas por interesse político e financeiro. Segue sua vida assim, entre amigos, funcionários e contatos de interesse até que decide se casar. Não por estar apaixonado ou por necessidades fisiológicas, mas por querer criar um herdeiro para S. Bernardo. Ele cria então uma imagem de mulher que ele procura, e está decidido a pedir em casamento a filha do juiz Magalhães, quando vai a sua casa e lá encontra uma mulher oposta as suas imaginações, uma moça magrinha loira de olhos claros, por quem se sente atraído. Que vem a descobrir ser a professora que seus amigos já haviam mencionado como uma beldade.
Em uma viagem de trem de volta de um incidente com um editor de jornal, ele conversa com a tia da moça, e a partir de então ele começa a frequentar a casa das duas senhoras, de início sob o disfarce do interesse em ajudá-las. Contudo rapidamente Madelena, esse é o seu nome, fica sabendo das verdadeiras intenções de Paulo, e o recusa por não se conhecerem, este insiste e insiste, e dado uma situação incomoda ela deixa ele anunciar o noivado, que por ela só acabaria depois de um ano, mas ele anuncia o casamento para dali uma semana.
O narrador sente muito a mudança da mulher e a da tia para a casa grande e tenta a se adaptar a nova formação, porém ele é um bruto, e apesar de deixar claro que nutria algum sentimento por sua mulher, eles pareciam estranhos dividindo a cama, viviam brigando e ele chega a pagar pelo trabalho que ele assume dentro de seu escritório, escrevendo cartas. O tempo de casado é narrado muito rapidamente e sob dois focos, a bondade de Madalena, que logo é percebida como uma mentalidade avançada que quer o socialismo, e é incentivada pelo professor Padilha; e a sua infidelidade, Paulo começa por desconfiar dela com o professor, mas desaprova a amabilidade do juiz, lembra dos elogios dos amigos e acredita que o advogado era seu namorado antes de tudo, e até do padre ele duvida. O que os levava a diversas brigas e tensões.
Nesse ponto da narrativa não pude deixar de pensar nos ciumes de Bentinho por Capitu, em que nós leitores nunca podemos saber a verdade, pois a narrativa em primeira pessoa só nos permite a visão de um lado da história, e do enciumado que pode muito bem aumentar e distorcer. Mas diferente de D. Casmurro o narrador não abandona sua mulher a sorte, nem essa se porta devidamente e morre depois, afastada. Madalena escreve uma carta para Paulo (que ele não consegue compreender devido ao vocabulário), ele encontra uma página e acredita ser a prova da traição e vai tirar satisfação com a intenção de matá-la. Mas ela o acalma, pede desculpas. E depois se mata.
Com a morte da mulher, a fazenda começa a desandar, então acontece a revolução com a qual Paulo Honório perde seu poder e seus aliados, todos vão embora, a tia, o professor, alguns outros empregados. Sobrando seu fiel amigo Casimiro Lopes, seu filho a quem tinha pouca amizade e alguns dos homens do campo, cansados e maltratados que apenas Madalena ajudava. o narrador começa a se arrepende da vida que teve, e imagina o que aconteceria se ele tivesse levado uma vida simples longe de S. Bernardo. Mas a realidade é que ele acaba sozinho em uma fazenda arruinada.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
O Castelo dos Destinos Cruzados
Mais um da minha fase Italo Calvino! Mais um grande livro, apesar de suas dimensões diminutas!
Esse é mais um dos livros de contos de Calvino, que eu sinceramente gosto mais do que os romances, não que estes sejam ruins, mas eu acho que prefiro contos no geral. É uma história completa em poucas páginas, em que nós podemos imaginar o que veio depois, ou o que poderia acontecer. Os contos fazem de nós um pouco autores também. Apesar dessa independência dos contos, deve se ressaltar que nesse livro eles estão interligados (cruzados, como o próprio título indica), mesmo podendo ser lidos separadamente a magia surge da ligação entre eles.
O castelo dos destinos cruzados é dividido em duas partes (e segundo a nota no final do livro Calvino pensou em escrever uma terceira, mas, isso é uma interpretação minha, daria muito trabalho e ele queria se livrar logo disso, essa parte é um pouco dele). A primeira é a do Castelo, e que foi escrita depois do início da segunda, para um livro de artes a pedido de um editor, em que ele deveria usar como base as cartas de tarô milanês, do século XV, desenhadas por Bonifácio Bembo, e que ficou pronta muito rápido. Já a segunda é a da Taverna, que está baseada em cartas marselhesas populares, em que Calvino teve muita dificuldade em terminar para que, as histórias se encaixassem.
Cada conto do livro tem em suas margens reproduções das cartas nas quais Calvino se baseou e o leitor pode ir acompanhando. E quase no final de cada parte possui esses esquemas em que mostra que todas as histórias estão ligadas e que aquilo que foi contado da esquerda para a direita, pode ser contado por outro da direita para esquerda. Que assim como Borges acreditava que as situações se repetiam, as cartas se repetem, mas assumem diferentes valores.
O livro inicia-se com a descrição do castelo em que o narrador vai parar após atravessar um bosque e que ele não sabe definir se é um castelo ou uma estalagem. Mas o mais interessante é que lá existem muitos hóspedes sentados à mesa comendo, mas que nenhum deles é capaz de falar, não estão surdos pois escutam os ruídos, mas não se escutam uns aos outros. Em um dado momento é colocado sobre a mesa um baralho de tarô, e os convivas se empurram para pegar as cartas e poderem contar a sua história apenas com as cartas. O narrador mostra a multiplicidade de sentidos das imagens não simplesmente com todas as histórias, mas também com as diferentes interpretações durante a narrativa, a incerteza, que atinge o leitor.
Na primeira parte ele narra sete histórias completas, todas de reis e rainhas, amores e mortes. Para depois contar todas as outras histórias, momento em que o livro começa a ficar confuso.
O fato mais interessante desse início é que ele cita o Fausto de Goethe, como uma possível história sendo contada, pois há a venda da alma ao diabo (isso se repete na segunda parte) e principalmente uma recontagem da história de Orlando Furioso, poema épico de Ariosto; que se divide em dois capítulos, um narrado pelo próprio Orlando, que perde a razão quando descobre que a sua amada o preteriu a Medoro, um guerreiro mouro na história original, mas que para Calvino é um "rapazeto do séquito", essa narrativa termina com Orlando preferindo permanecer louco. Mas o próximo conviva a contar a história é Astolfo, o primo de Orlando que no original, montado em um hipogrifo voa até a lua (depósito de tudo que é perdido na terra; mas para Calvino o lugar do "e se", daquilo que não se realizou), e lá recupera a razão do paladino. Esse é um poema do Renascimento, em que seus personagens estão em uma estalagem junto com outros personagens de histórias famosas, como o leitor percebe continuando a leitura.
Na segunda parte descreve-se a taverna, e entrega-se um novo baralho de tarô (eu achei o desenho desse muito mais decifrável) e as pessoas presentes mais uma vez se precipitam sobre as cartas para contar a sua histórias. Mas tudo fica muito mais confuso, pois duas ou mais histórias são contadas simultaneamente, pois as carta batem, mas nem sempre, criando lacunas na minha cabeça. E então eu comecei a reconhecer histórias, como a busca pelo santo Graal, ou a mais especificada de Sófocles, Édipo Rei.
Então o narrador conta a sua própria história, em que ele é mesmo um escritor. Segue por um tempo no tarô, tenta contar sua história, mas na verdade conta muitas outras, pois esse é o seu trabalho, e ele reconhece sempre novas em situações parecidas ou mesmo iguais. Até que passa para os quadros e os museus (momento em que Calvino subiu ainda mais no meu conceito!). É depois de uma longa discussão sobre o ato de narrar, que vem o sistema das histórias contadas na taverna.
Nesse ponto eu parei e fiquei com fortes tendencias a voltar e reler o livro. Três das grandes tragédias de Shakespeare estão ali: Rei Lear, Macbeth e Hamlet. Como assim eu não reconheci nenhuma??? Essas três histórias são contadas simultaneamente no último capítulo do livro. Brilhantemente! Talvez Calvino tenha deixado de lado o "to be or not to be that's the question", mas lembra-se da também memorável cena do "rato". Não pude deixar de rir da pretensão do autor em resumir em 5 páginas 3 das maiores tragédias de todos os tempos. Ou mesmo de unir esses personagens em uma taverna/castelo junto com Orlando, Parsifal, Édipo e outros muitos que poderiam pertencer a diferentes épocas e lugares.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
O Visconde Partido ao Meio - Italo Calvino
O que eu mais gostei em ler o Visconde? Fácil! Eu já o havia lido quando estava no colégio, ou talvez fundamental, mas não me lembrava ao certo dele. Enquanto eu o lia eu finalmente achei uma imagem que sempre ficara na minha memória e eu não consegui saber de onde, que é a vila em que moram os leprosos, Pratofungo. A leitura valeu por isso.
Não quero dizer com isso que não haja nada de melhor. Muito pelo contrário. Esse livro faz parte da trilogia Os nossos antepassados, que tem também O barão empoleirado e O cavaleiro inexistente. E para mim é como uma alegoria do mundo real.
A história começa com o visconde Medardo de Terralba indo para a guerra entre cristãos e turcos, e no primeiro combate (após a viagem para o campo de batalha em que ele e seu escudeiro passam por atrocidades, cuja imagem mais forte são as cegonhas, e não abutres, comendo a carne dos mortos) é acertado por uma bala de canhão que o divide ao meio. Sendo que os médicos do exército cristão encontram apenas a parte direita que volta para Terralba e prova ser o mais mau de todos os seres. Governando com terror e afastando todos de si. Força seu artesão construir máquinas engenhosas de tortura e para matar; divide tudo ao meio: flores, frutas, animais... Tenta matar seu sobrinho (o narrador) mais de uma vez, e ainda despacha sua babá para a vila dos leprosos apesar de esta não estar doente.
Quando depois de algum tempo de todo esse terror aparece a outra metade de Medardo, só bondade, que ajuda a tudo e a todos, acreditando que é possível criar um mundo utópico que se resume na máquina que ele quer criar que seria ao mesmo tempo um órgão, um moinho, um forno e uma rede para capturar borboletas. A pesar de fazer de tudo para que todos fiquem bem, também ele acaba cansando os moradores de Terralba, por falta de equilíbrio.
As duas metades se apaixonam pela mesma pastora, Pamela, que eu não consegui entender se ela realmente gostava deles, ou se ela estava fazendo aquilo que era esperado pela sociedade. Apesar de ter algumas atitudes de revolta. Essa parte eu realmente não gostei! Ela estava disposta se entregar para o Infeliz, mas nos seus termos, e se entediava com o Bom mesmo confiando nele. Ela aceita a se casar com os dois deixando para a sorte o desenlace dessa sua ação.
Acaba se casando com o Bom, pois o Infeliz na pressa acabou caindo do cavalo. Mas chega à Igreja e diz que Pamela é sua esposa pois ele é Medardo de Terralba. Ambas as partes decidem duelar, ferindo-se depois de muito tempo na extremidade em que foram partidos. O médico os une, trazendo alegria e prosperidade para a região. Apenas o sobrinho/narrador é quem continua incompleto, sem nunca ter encontrado nenhum amigo de fato.
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